É quase um consenso de que O Auto da Compadecida (2000) é um dos maiores clássicos cinematográficos de nosso país. Não conheço uma pessoa que não goste. Originalmente, a história foi criada em 1955 por Ariano Suassuna como uma peça teatral e nunca teve uma continuação pelas mãos do autor. O Auto da Compadecida 2 é uma história nova criada por Guel Arraes (Lisbela e o Prisioneiro), Flávia Lacerda (Medida Provisória) e Jorge Furtado (O Homem que Copiava). Tudo com o consentimento da família de Suassuna. A grande pergunta é se chegaria ao nível da original, pois melhor seria bem difícil. Adianto que temos uma continuação que mantém o espírito do original e que certamente irá agradar muitos, mesmo que não seja perfeita.
Sinopse
Depois de 20 anos desaparecido, João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna à pequena Taperoá para se juntar ao seu velho companheiro Chicó (Selton Mello). Acontece que agora ele é recebido como uma celebridade na cidade. Afinal, reza a lenda que havia sido morto por bala de espingarda e ressuscitado após um julgamento que tinha o Diabo como acusador, Nossa Senhora como defensora e o próprio Jesus Cristo como juiz. Disputado como principal cabo eleitoral pelos dois políticos mais poderosos da cidade, ele faz de tudo para finalmente aplicar o golpe que vai lhe render muito dinheiro e, quem sabe, vida mansa.
Estranhamento inicial seguido de pleno deleite
A responsabilidade dessa nova obra é muito grande. Admiro a coragem de tentar continuá-la e por mais que eu tivesse incrédulo acredito que conseguiram, porém, ela não chega a se igualar com sua obra original. Quando começou a projeção ainda estava um pouco com o pé atrás e aos poucos essa crosta que permeava minha alma foi desabando aos poucos. O que iniciou como um estranhamento foi se transformando em algo realmente divertido e bem engraçado. Façanhas dignas de João Grilo e Chicó.
Texto brilhante
O texto desse longa é muito brilhante. A literatura de cordel toma de conta e ver Chicó destilando seus poemas como forma de contar a história é simplesmente incrível. Ele ainda brilha mais ainda quando começa a contar suas mentiras já características com o eterno bordão “não sei, só sei que foi assim”. João Grilo e sua malandragem também é um fato maravilhoso. Ver ele jogando em cima dos dois políticos é muito bom. O seu plano é sempre perfeito, porém, sempre acontece o impensável. O texto é bom, a direção é ótima e os atores dão vida a isso tudo com uma energia eletrizante.
Só atuações de muito boas para cima
Selton Mello (Ainda Estou Aqui) e Matheus Nachtergaele (Cidade de Deus) são hour concours e não vou perder tempo com o que todo mundo já sabe. São incríveis e juntos conseguem ser melhores ainda. Quero comentar sobre alguns coadjuvantes. Além deles, os que brilham muito são Fabiula Nascimento (O Lobo Atrás da Porta), Eduardo Sterblitch (Grande Sertão) e Luis Miranda (Ó Paí Ó). O resto do elenco também está bem, mas esses 3 estão muito acima da média. Só por estarem em cena eles ganhavam ela automaticamente. O texto junto com sotaque e maneirismos davam um ar de peça de teatro com uma atuação digna de algo a mais.
Ponto negativo
Como ponto negativo vejo principalmente o fato de tentarem repetir o que deu certo no primeiro. O clímax segue a mesma linha do original com devidas mudanças para não ser meramente uma cópia. Mas confesso que para mim foi o momento mais fraco. Nem mesmo o diálogo da parte final se mantém no nível do resto do filme, que é incrível. Entendo que o nome no título apele para esse mesmo contorno dramático, mas algo um pouco diferente poderia ser feito aí. Não estraga de jeito nenhum o longa, mas ele perde a força nesse momento.
Conclusão
O Auto da Compadecida 2 é um prato cheio para os fãs da obra criada por Ariano Suassuna. Talvez tenham a mesma impressão que eu: estranhamento inicial e depois curtindo diálogo após diálogo. Não posso afirmar que irá agradar todos, mas a grande maioria sairá dos cinemas de forma satisfeita. O riso é garantido em muitos momentos e são eles que ganham o público. Tecnicamente também não tenho do que reclamar, é tudo belo, bem feito e polido. Garantia certa de diversão.
O Auto da Compadecida 2 estreia nos cinemas em 25 de dezembro.
